Evolução no tratamento neurológico
Dr. Marcus akexandre Rotta fala sobre as inivações nos tratamentos neurológicos e os avanços da especialidade
A junção de exames minuciosos de imagens com técnicas cirúrgicas de alta complexidade pode ser considerada, sem nenhuma dúvida, um dos grandes avanços da medicina contemporânea, pois tornou
os procedimentos mais rápidos, seguros e menos invasivos.
Diversas áreas se beneficiam dessa evolução atualmente, principalmente o segmento neurológico com o advento da “neurointervenção”, que realiza o tratamento de doenças via endovascular (dentro do vaso sanguíneo). Trata-se de uma especialidade bastante utilizada no delicado tratamento de doenças vasculares do cérebro como, por exemplo, o Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Para conhecer um pouco mais sobre esses avanços, a Revista HCor Saúde entrevistou o Dr. Marcus Alexandre Rotta, neurocirurgião endovascular do HCor e membro da “World Federation of Interventional & Therapeutic Neuroradiology” (WFITN) e do Grupo Sulamericano de Neuroradiologia Intervencionista (GSANIT).
HCor Saúde – Qual o impacto da neurointervenção nos tratamentos neurológicos?
Dr. Marcus Rotta – Trata-se de uma subespecialidade da neurologia que promove o tratamento de doenças vasculares do cérebro como aneurismas cerebrais, má-formação arteriovenosa no cérebro e na medula, além de alguns tumores com bastante vascularização que podem ser tratados por via endovascular, ou seja, dentro do vaso. É como um cateterismo cardíaco, introduzido pela virilha, só que em vez de ir para o coração vai para o cérebro, tratando essas lesões. Os fatores de risco para essas doenças são tabagismo, pressão alta, diabetes, colesterol e histórico familiar. Por conta de fatores genéticos, o sexo feminino e a descendência oriental também registram maior incidência de casos.
Um estudo recente da American Heart Association (AHA) aponta que, nem tanto o tempo, mas sim a comparação de imagensé o mais importante para o sucesso do tratamento do acidente vascularcerebral
Dr. Marcus Alexandre Rotta
Esta técnica pode ser aplicada em caso de acidente vascular cerebral (AVC)?
M. R. – Sem dúvida, aliás, atualmente o tratamento do AVC é o foco da medicina mundial. Há cinco anos, por exemplo, não havia muito o que ser feito. O paciente chegava ao hospital com sintomas de AVC, recebia um trombolítico na veia e seguia para a UTI para os médicos observarem o comprometimento motor que ele teria, ou seja, as sequelas causadas. O AVC é hoje a doença que mais causa óbitos no Brasil. Para se ter uma ideia, no ano 2000 o infarto era a primeira. Com os altos investimentos tecnológicos e treinamentos promovidos na cardiologia, em 2004, esse quadro mudou e desde então o AVC segue em primeiro.
Como é feito o tratamento?
M. R. – O tratamento, que inclusive faremos no HCor, é o que existe de mais moderno e chegou ao Brasil há 4 anos. O AVC pode ser hemorrágico ou isquêmico. A incidência é 15% e 85%, respectivamente. O isquêmico é caracterizado por um entupimento de uma artéria causado por um coágulo, que impede a irrigação de sangue de determinada área do cérebro. Um exame de angiotomografia aponta o local do coágulo que deve ser retirado e o procedimento deve ser iniciado imediatamente. Com um cateter chega-se ao local, no cérebro. O stent é aberto e sua malha prende no coágulo que será puxado e removido. Esse procedimento é feito em casos selecionados e dura entre 30 minutos e uma hora, no máximo. O coágulo também pode ser aspirado, mas não é muito comum. Tudo é feito no setor de hemodinâmica ou na sala híbrida. É importante ressaltar que esse procedimento deve ser feito o quanto antes e o hospital precisa estar preparado para que o paciente passe a ser prioridade assim que der entrada no pronto-socorro.
Em relação às técnicas convencionais, qual o benefício para o paciente?
M. R. – Em determinados casos o paciente não apresentará nenhuma sequela ou, pelo menos, terá uma melhora de 80%. Outras vezes o cérebro pode demorar um pouco para se reestabelecer, o que pode levar um dia, depende de cada caso. Um estudo americano feito com 500 pacientes de 16 serviços utilizando a “modified rankin scale (mRS)”, uma escala que mostra a capacidade de independência do paciente depois de 90 dias de tratamento, apontou que 60% dos pacientes ficaram praticamente sem sequelas.
Esse novo tratamento, então, irá mudar o cenário atual?
M. R. – Com certeza. Tende a mudar em cerca de dois anos. Atualmente se usa muito um trombolítico para tentar dissolver o trombo, o que resolve cerca de 30% dos casos. Porém, essa medicação funciona como um anticoagulante e aumenta as chances de hemorragias, pois deixa o sangue mais fino e acaba com a capacidade de fazer coágulos, que é importante para a cicatrização. Com isso, as artérias finas e extremamente sensíveis do cérebro podem romper e complicar ainda mais o caso.
Independente do protocolo utilizado, o tempo é fator fundamental no sucesso do procedimento?
M. R. – O ideal é que o socorro seja prestado imediatamente, pois a falta de irrigação no cérebro pode comprometer várias funções motoras. É aceitável o atendimento até seis horas do evento. Porém, um estudo recente da “American Heart Association” (AHA) aponta que, nem tanto o tempo, mas sim a comparação de imagens é o mais importante para o sucesso do tratamento. Algumas áreas no cérebro possuem neurônios que não suportam 30 minutos sem o oxigênio trazido pelo sangue. Outras têm circulação colateral e aguentam mais tempo. No estudo, as imagens auxiliaram na seleção de pacientes que se beneficiaram da remoção do coágulo com até 18 horas do início dos sintomas de AVC, sem comprometer áreas específicas do cérebro. O resultado foi uma média de 12 horas com melhora de quase 80% dos pacientes. Esse é um novo cenário que se abre e o mais importante é que não houve piora nos quadros desses pacientes.
E nos casos de hemorragia, qual o problema de maior incidência?
M. R. – O aneurisma é o mais comum e também pode ser considerado o mais grave. Ao contrário do AVC que se manifesta por déficit neurológico, perda de força, confusão mental, paralisação de um dos lados da face e dificuldade na fala, o aneurisma só apresenta sintoma quando rompe, pois promove uma dor de cabeça súbita e extremamente forte. Os casos normalmente são detectados quando o paciente faz um exame, com outra finalidade, e o aneurisma é descoberto.
O surgimento do aneurisma se dá quando um segmento da artéria fica com a parede mais frágil e a pressão do sangue a faz dilatar e inchar. O ideal é descobrir e tratar antes de romper, pois a mortalidade nesses casos é de 50%. Além disso, quem tem aneurisma perde um quarto da expectativa de vida. A prevalência na população é de 1% a 4%. A chance de romper é de 1% a 2% por ano, mas se acumula a cada novo ano.
Quando o aneurisma é descoberto a tempo, qual o melhor tratamento a ser feito?
M. R. – Existe uma técnica utilizada em 80% dos casos que é a colocação de molas de platina flexíveis no local. Por meio de um cateter, um fio de platina bem fino e sensível é inserido e vai se enrolando dentro do aneurisma, formando molas, até preenchê-lo totalmente impedindo a entrada do sangue e, consequentemente, evitando que ele se rompa. Existe também outra técnica em que um stent colocado na abertura do aneurisma desvia o fluxo sanguíneo impedindo que entre no local. São procedimentos minimamente invasivos, seguros e que descartam a possibilidade de infecções. Normalmente, o paciente fica dois dias internado, sendo um dia em observação na UTI e outro no quarto e na sequência recebe alta.