Neurologista do HCor explica que graus mais leves e menos perceptíveis de dislexia ou de déficit de atenção podem ser os verdadeiros vilões por trás de declínios cognitivos capazes de prejudicar o desempenho de profissionais e estudantes de diferentes áreas; segundo especialista, dificuldades dessa natureza também podem ser causadas por quadros de depressão
Em algum momento, todos já tivemos dificuldade para memorizar um pedido do chefe ou mesmo de compreender o sentido de um determinado texto no trabalho ou na faculdade. Porém, até que ponto problemas como esses são motivados apenas por desatenção casual, falta de conhecimentos específicos ou simplesmente por causa da agitação de um dia repleto de atividades? “Quando dificuldades desse tipo são frequentes, é preciso ficar atento, já que algumas delas podem ser motivadas por graus mais leves e menos perceptíveis de distúrbios neurológicos não diagnosticados na infância, como dislexia e déficit de atenção. Em alguns casos, também podem ser provocadas por quadros de depressão”, revela a neurologista e neuropediatra Maristela Costa do Hospital do Coração (HCor).
Dislexia
Presente em cerca de 15% da população brasileira, a dislexia consiste em um transtorno congênito e hereditário da decodificação da linguagem que compromete a capacidade de ler e escrever corretamente do indivíduo. “Em maior ou menor grau, pessoas dislexas basicamente não conseguem associar fonemas às letras que o representam na escrita”, explica a neurologista. “Nos casos em que a dislexia se manifesta de maneira mais sútil, ela pode não ser identificada na fase escolar. Assim, ela passa a gerar dificuldades na vida adulta, já que interfere na leitura e interpretação correta de documentos, livros e apostilas, por exemplo”, explica.
Para identificar casos de dislexia desse tipo entre os adultos, o primeiro passo é ficar atento a sinais como dificuldade para compreender a leitura, o que geralmente faz com que a pessoa precise reler várias vezes um mesmo texto. “Além disso, pessoas dislexas costumam cometer erros ortográficos como troca, inversão, omissão ou acréscimo de letras e sílabas, enquanto escrevem. O distúrbio também afeta noções de tempo e espaço”, acrescenta a Dra Maristela.
Diante da presença de algum desses sintomas, o procedimento para o diagnóstico da dislexia em adultos é o mesmo aplicado às crianças. Ou seja, o indivíduo é encaminhado para a avaliação de uma equipe multidisciplinar composta por médicos, neuropsicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos e neurologistas. Nesta avaliação são utilizados testes para analisar o nível de leitura, vocabulário e habilidades específicas, como memória, atenção e velocidade de processamento. “O objetivo é nos certificar de que o paciente realmente apresenta dislexia e não problemas de alfabetização, deficiências físicas (como doenças visuais e perda auditiva), ou algum tipo de transtorno emocional ou psicológico”, explica a Dra Maristela.
O tratamento começa assim que a presença da doença é comprovada. “Infelizmente, a dislexia não tem cura. O tratamento consiste basicamente em um esforço conjunto para criar adaptações pedagógicas que ajudem o paciente a superar, na medida do possível, os comprometimentos que apresenta em sua capacidade de ler, escrever ou de realizar cálculos matemáticos”, explica a neurologista do HCor.
Déficit de Atenção
Caracterizado por um padrão crônico de desatenção, hiperatividade e impulsividade, o chamado Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), ou simplesmente déficit de atenção, como é mais conhecido, é outro distúrbio que tem um grande impacto social na vida adulta, dependendo de sua evolução clínica. Isso porque muitas crianças com TDAH deixam de ter sintomas na vida adulta, mas continuam a carregar consigo várias limitações que interferem tanto na vida profissional, quanto na vida pessoal. “Muitas pessoas crescem com o problema e nem ficam sabendo que a dificuldade que têm de se concentrar é, na verdade, um distúrbio que pode ser tratado e controlado com auxílio medicamentoso ou psicoterápico”, diz a neurologista. “Tanto que dados da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA) estimam que 4% da população adulta pode ter déficit de atenção e, aproximadamente, 80% dos casos tiveram início na infância”, revela.
Entre os sinais mais frequentes do TDAH em adultos estão: atrasos frequentes em compromissos de trabalho, falta de organização, oscilação abrupta de humor, dificuldade de se expressar, repetição de palavras com frequência e problemas ao dirigir. “Crianças com TDAH costumam contar com o auxílio dos pais para conseguir cumprir horários, organizar as tarefas diárias, marcar consultas médicas e se relacionar com as outras pessoas. No caso dos adultos que têm o distúrbio, tudo fica mais difícil”, afirma a Dra Maristela. “Caso não consigam ajuda em algum desses aspectos, eles podem contrair diversos problemas que prejudicam o seu rendimento não só nos estudos e no trabalho, mas também nos seus relacionamentos afetivos e com os amigos. Por isso, ao mínimo sinal de sintomas como esse, é importante que a pessoa procure a ajuda de médicos e psicólogos”, explica a neurologista.
Depressão
Caracterizada por humor depressivo associado a sentimentos de tristeza, amargura, falta de esperança, baixa autoestima ou culpa, a depressão é uma doença psiquiátrica, crônica e recorrente em diferentes fases da vida. Entre os diversos prejuízos causados por ela estão déficits cognitivos que a aproximam, até mesmo, de quadros demenciais. “Uma pessoa com depressão também tem problemas para se concentrar e decodificar informações mais complexas. Por isso, a doença merece atenção também por esse aspecto”, avalia a Dra Maristela. “De maneira geral, é importante ressaltar que o auxílio de médicos e psicólogos pode contribuir não só com o desempenho intelectual e profissional de adultos com depressão, dislexia ou TDAH, mas também com a melhora do humor dessas pessoas. Isso costuma proporcionar um ganho ainda maior na qualidade de vida delas. Por isso, é fundamental conscientizá-las para que possam receber ajuda e viver melhor”, finaliza a neurologista do HCor.